ENÉAS LOUR É ATOR, DRAMATURGO, CENÓGRAFO E DIRETOR TEATRAL

17 de jun. de 2011

A BRIGITTE BARDOT - TOM ZÉ


O ATOR


O ATOR

Texto de autoria de Plínio Marcos

Por mais que as cruentas e inglórias
Batalhas do cotidiano
Tornem um homem duro ou cínico
O suficiente para fazê-lo indiferente
Às desgraças e alegrias coletivas,
Sempre haverá no seu coração,
Por minúsculo que seja,
Um recanto suave
Onde ele guarda ecos dos sons
De algum momento de amor já vivido.

Bendito seja
Quem souber dirigir-se
A esse homem
Que se deixou endurecer,
De forma a atingi-lo
No pequeno, porém macio,
Núcleo da sua sensibilidade.

E por aí despertá-lo,
Tirá-lo da apatia,
Essa grotesca
Forma de autodestruição
A que, por desencanto
Ou medo, se sujeita.

E por aí inquietá-lo
E comovê-lo para
As lutas comuns da libertação.

O ator tem esse dom.
Ele tem o talento de atingir as pessoas
Nos pontos onde não existem defesas.
O ator, não o autor ou o diretor,
Tem esse dom.

Por isso o artista do teatro é o ator.
O público vai ao teatro por causa dele.
O autor e o diretor só são bons na medida
Em que dão margem a grandes interpretações.

Mas, o ator deve se conscientizar
De que é um cristo da humanidade:
Seu talento é muito mais
Uma condenação do que uma dádiva.
Ele tem que saber que, para ser
Um ator de verdade, vai ter que fazer
Mil e uma renúncias, mil e um sacrifícios.

É preciso coragem,
Muita humildade e, sobretudo,
Um transbordamento de amor fraterno
Para abdicar da própria personalidade
Em favor de seus personagens,
Com a única intenção de fazer
A sociedade entender
Que o ser humano não tem
Instintos e sensibilidades padronizados,
Como pretendem os hipócritas
Com seus códigos de ética.

Amo o ator
Nas suas alucinantes variações de humor,
Nas suas crises de euforia ou depressão.
Amo o ator no desespero de sua insegurança,
Quando ele, como viajante solitário,
Sem a bússola da fé ou da ideologia,
É obrigado a vagar pelos labirintos de sua mente
Procurando, no seu mais secreto íntimo,
Afinidades com as distorções de caráter
De sua personagem.

Amo o ator
Mais ainda quando,
Depois de tantos martírios,
Surge no palco com segurança,
Oferecendo seu corpo, sua voz,
Sua alma, sua sensibilidade
Para expor, sem nenhuma reserva,
Toda a fragilidade do ser humano
Reprimido, violentado.

Amo o ator por se emprestar inteiro
Para expor à platéia
Os aleijões da alma humana,
Com a única finalidade
De que o público
Se compreenda, se fortaleça
E caminhe no rumo
De um mundo melhor,
A ser construído
Pela harmonia e pelo amor.

Amo o ator
Consciente de que
A recompensa possível
Não é o dinheiro, nem o aplauso,
Mas, sim, a esperança de poder
Rir todos os risos
E chorar todos os prantos.

Amo o ator consciente de que,
No palco, cada palavra
E cada gesto são efêmeros,
Pois nada registra nem documenta
Sua grandeza.

Amo o ator e por ele amo o teatro.
Sei que é por ele que
O teatro é eterno
E jamais será superado
Por qualquer arte que
Se valha da técnica mecânica.

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2 de jun. de 2011

CURITIBA ZERO GRAU - O FILME




EU ODEIO SHOPPING CENTER


EU ODEIO SHOPPING CENTER

Eu nunca vou a “shopping centers” porque não gosto de “shopping centers”.

Aliás, eu odeio os “shopping centers” com suas luzes frias, seus corredores sempre limpos, suas flores de plástico, suas vitrines assépticas expondo os vestidinhos da moda e os sutiãs da moda e as calcinhas da moda e sapatinhos na cor da moda da estação: púrpura.
Odeio aqueles seguranças com ternos azuis e radinhos fanhos e roucos. Odeio as praças-de-alimentação e os copos de papel. Odeio o cheiro de germicida dos banheiros dos “shoppings centers”. Odeio o frio do ar condicionado e os carros do sorteio estacionados no meio do corredor central. Odeio as menininhas que distribuem “flyers”. Odeio os estacionamentos fedendo a etanol, todos iguais e com nomes estúpidos: Piso Primavera, Piso Escarlate, Piso Oriental, etc... Odeio, simplesmente.

Ontem fui a um “shopping center” para resolver um problema com o celular da minha mulher.
Na entrada: fila de carros.
No estacionamento não há vagas em nenhum dos cinco pisos iguais, lotados.
No elevador um cheiro de perfume barato, desodorante.

A porta automática se abre e o ar se modifica, torna-se gélido, seco. A luz se esparrama: branca. E uma música estúpida disputa espaço com uma mulher fanha chamando uma “monitora” : 
Virgínia: comparecer – urgente - ao setor 21.
E repete e repete.

São mil casais de meia idade, de mãos dadas, babando em frente as vitrines.
São três mil crianças lambendo sorvetes e “frozen iogurtes” o lançamento saudável do momento.
São dez mil adolescentes, aos bandos de três ou cinco, perambulando pelas escadas rolantes com suas calças arriadas e cabelos ornamentados como aquela cantora ou aquele jogador de futebol da capa da revista.
São milhões de vozes liquidificadas naqueles salões consumistas.

Andamos e a cada passo me assombro mais:  

Nos sofás de napa ou corino espalhados pelo espaço, estão senhores e senhoras embasbacados de prazer por estarem ali. Sentam-se e assistem comerciais disto e daquilo nos retangulares aparelhos de TV HD. Saíram de suas casas para estar ali assistindo aqueles comerciais de carros, de eletro-eletrônicos, de colchões, de agências de viagens e de bancos onde correm lindas modelos por praias e montanhas e campos, com seus cabelos limpos com o melhor shampoo. E sorriem - os modelos nas telinhas e os espectadores nos sofás do "shopping center" - deliciando-se com a sua vida tão moderna.

No quiosque da TIM são minutos apenas, mas, parecem horas que se passam enquanto o atendente resolve nosso problema com o telefone teclando freneticamente o seu laptop sobre a bancada de plástico azul brilhante.

O desfile continua pelo corredor central em nossa volta.
São alegorias espetaculares, como as da Marquês de Sapucaí.
Por exemplo: uma mulher, de seus mais que quarenta anos, loira e usando uma roupa justa, não, justa é pouco, uma roupa colante é mais apropriado. Pois, esta senhora passa por nós exibindo os contornos roliços de seu corpo, que mal cabem ali dentro da tal roupa justa, e, mais ainda, como se ela fora de circo, equilibra-se a tal, sobre um par de sapatos com uns doze centímetros de saltosobre aquele piso lustrosos e escorregadio. Enquanto desfila a loira quarentona e roliça ainda tem tempo de falar ao telefone, olhar as vitrines, conversar e rebolar feito uma serpente.

Cruza com ela uma mocinha, de talvez uns 14 anos, de patins, cabelo duro e azul e umas luvas de meios-dedos, um de cada cor.

De lá vem um casal: ele gordo e careca, ela gorda e sorridente. Ambos vestem jeans e ambos usam chinelos. Ele: bermudão camiseta do Coritiba Football Clube e chinelão de couro, tipo São Francisco de Assis. Ela: sandália prata, salto baixo, saia jeans e camiseta preta escrita Michael Jackson e uma estrela de prata no peitoril. Lindos, os dois.

De cá vem um sujeito esquisito, óculos grossos e andar balançado. Procura pra todo lado por alguém que se perdeu na maçaroca de esquinas envidraçadas e espelhadas do labirinto. Quando achar, seja lá quem procura tão sério, coitado dele ou dela: vai ouvir, com certeza.

O atendente da TIM continua teclando no afã de resolver nosso problema.

Duas freiras passam por nós eu fico pensando: - O que será que traz a um shopping duas “noivas de Jesus”?

Passam mais dois mil meninos e umas duzentas e vinte meninas com seus fones de ouvido e risadas e tênis e milhões de cores berrantes.

Passa outro casal bem novinho, talvez em lua-de-mel. Ela barriguinha recém engravidada e ele com uma camisa nova, dessas de mangas curtas e vincadas ainda, de tão novas. Carregam uma sacola das Lojas Americanas e imagino o que vai lá dentro: tip-top azulzinho ou rosa; mamadeira de plástico da Mônica; fraldas descartáveis; cueiros e toquinhas, talvez.

Finalmente o atendente da TIM consegue resolver nosso problema com o celular e saímos dali. Para onde mesmo a saída?

Piso G – Esmeralda.

E subimos pelo elevador.
Para sair para o mundo de novo foram filas e mais filas na descida em caracol. O ar irrespirável.
Saímos para a noite lá fora e eu juro mais uma vez:
- Nunca mais! ... Nunca mais! ...



Enéas Lour
Maio/2011