ENÉAS LOUR É ATOR, DRAMATURGO, CENÓGRAFO E DIRETOR TEATRAL

5 de mai. de 2010

O VELHO CARLOS

“O VELHO CARLOS"

Há um lugar, numa casa que eu mesmo inventei para mim. 
É um lugar único e sagrado, onde só eu e o meu avô 
- que eu nunca conheci - 
nos encontramos nos dias mais difíceis de passar. 
 
Fica ao lado de uma chaminé 
e é lá que ele coloca sua eterna cadeira de balanço: 
sobre as telhas da tal casa que eu inventei. 
Ele chega 
- o velho Carlos -
com seus passos miúdos, 
 e senta em sua cadeira de palha branca. 
Aí, cobre as pernas em pijamas com o seu velho cobertor. 
Arruma o boné, os óculos e só aí dá uns três ou quatro tapinhas 
sobre as pernas magras, me convidando para o seu colo, 
com um sorriso de avô.
Ali me aninho 
- no seu colo - 
e então ele começa a reger 
com sua mão bem velha 
- pois que é maestro de banda - 
umas marchinhas pelo ar.


Ele nunca me disse uma só palavra que fosse. 
Nenhuma.
O que ele sempre fez, desde sempre,
desde quando eu era menino, foi reger as músicas, 
acariciar meus cabelos e acompanhando o ritmo 
dos andamentos musicais
com as pontas dos sapatos batendo sobre as telhas.


Eu também nunca precisei lhe dizer nada.
Nenhuma só palavra que fosse. 
Nunca.
Ele é meu avô desconhecido
e me ama como ninguém poderia me amar.

Ele é morto e os mortos são os que mais nos podem amar.


Nesses dias difíceis de passar
viemos nos encontrando há muitos anos, em segredo.

Ele sempre igual e eu cada vez mais velho.


Tanto é assim que, em breve,
chegará o dia que nós dois formaremos um par curioso:
dois velhos sentados, um no colo do outro,
sobre o telhado de uma casa imaginária
ouvindo músicas transparentes no ar ...

E então,
num outro dia que virá,
eu sentarei ali naquela cadeira e,
como não sou músico,
lerei esta história,
como o fazem todos os avôs mortos, para o meu neto ...

Enéas Lour
SETEMBRO / 2002

2 comentários:

Anônimo disse...

lindo, lindo! roubei!

beijo

CARNE

Sabine Villatore disse...

ENÉAS,
VC É UM BAFO!!!
SEM COMENTÁRIOS!