“O VELHO CARLOS"
Há um lugar, numa casa que eu mesmo inventei para mim.
É um lugar único e sagrado, onde só eu e o meu avô
- que eu nunca conheci -
nos encontramos nos dias mais difíceis de passar.
Fica ao lado de uma chaminé
e é lá que ele coloca sua eterna cadeira de balanço:
sobre as telhas da tal casa que eu inventei.
Ele chega
- o velho Carlos -
com seus passos miúdos,
e senta em sua cadeira de palha branca.
Aí, cobre as pernas em pijamas com o seu velho cobertor.
Arruma o boné, os óculos e só aí dá uns três ou quatro tapinhas
sobre as pernas magras, me convidando para o seu colo,
com um sorriso de avô.
Ali me aninho
- no seu colo -
e então ele começa a reger
com sua mão bem velha
- pois que é maestro de banda -
umas marchinhas pelo ar.
Ele nunca me disse uma só palavra que fosse.
Nenhuma.
O que ele sempre fez, desde sempre,
O que ele sempre fez, desde sempre,
desde quando eu era menino, foi reger as músicas,
acariciar meus cabelos e acompanhando o ritmo
dos andamentos musicais
dos andamentos musicais
com as pontas dos sapatos batendo sobre as telhas.
Eu também nunca precisei lhe dizer nada.
Nenhuma só palavra que fosse.
Nunca.
Nunca.
Ele é meu avô desconhecido
e me ama como ninguém poderia me amar.
Ele é morto e os mortos são os que mais nos podem amar.
Nesses dias difíceis de passar
viemos nos encontrando há muitos anos, em segredo.
Ele sempre igual e eu cada vez mais velho.
Tanto é assim que, em breve,
chegará o dia que nós dois formaremos um par curioso:
dois velhos sentados, um no colo do outro,
sobre o telhado de uma casa imaginária
ouvindo músicas transparentes no ar ...
E então,
num outro dia que virá,
eu sentarei ali naquela cadeira e,
como não sou músico,
lerei esta história,
como o fazem todos os avôs mortos, para o meu neto ...
Enéas Lour
SETEMBRO / 2002
2 comentários:
lindo, lindo! roubei!
beijo
CARNE
ENÉAS,
VC É UM BAFO!!!
SEM COMENTÁRIOS!
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