ENÉAS LOUR É ATOR, DRAMATURGO, CENÓGRAFO E DIRETOR TEATRAL

9 de mai. de 2010

O PALHAÇO FLORZINHA



Fala da personagem Palhaço Florzinha da peça 
"O Gran Circo" de Enéas Lour


FLORZINHA  
Eu sou um sujeito assim, assim.
Sempre fui! ... 
Era Circo, o mundo em que eu vivia, quando era menino! 
... Era Circo! ...
Tinha uma lona grande estendida por todo o céu, 
que de dias era cinza e branca e azul e, de noites, 
bem negra e estrelada era a lona do meu Circo.
E, de tão alto que era o mastro, 
eu tinha nuvens na cabeça!

Nesse mundo eu não tinha pressa, 
não tinha avesso. 
Era tudo de um lado só: de dentro.

Tinha medo. 
Medo eu tinha, de que um dia o Circo 
se desmanchasse e fosse embora pra longe 
e eu ficasse e tivesse que viver sozinho.

Minha mãe dizia e ria : - Avoado!
Meu pai enferruscado, pra minha mãe : 
- Este menino é tonto da cabeça! 
Puxou você! ... Puxou a sua família!...
Sempre achei meu pai um palhaço, com sua farda militar.
Minha mãe era brilhante, mesmo com seu avental.
Eu a via sobre o cavalo
dançando no picadeiro da cozinha.
E eu era o domador dos animais selvagens 
que pulavam por dentro de argolas de fogo!
Eu era o mágico com meus truques no meu quarto!

Minha tia era a mulher barbada que, de feia, 
morreu solteira!

Minha vó 
- era cartomante e benzedeira - 
e sabia de tudo: meu presente, meu passado e meu futuro! 
E ela ria - banguela - com seu cigarrinho de palha, 
até fazer cem anos e voar pro Céu!...

Era o Circo! ...

E no banheiro, era o pavilhão de espelhos 
em que eu me via maior, menor, gordo, esticado, duro...

No porão morava um monstro, Jussara : a Mulher-Gorila!
Que nem gorila não era!
Era a nossa empregada 
- Aparecida - 
que viveu lá em casa, como se fosse da família,
por toda a sua vida fazendo seus chás 
e plantando canteiros de flores.
E ela cantava, com sua voz rouca,
as cantigas de todas as Áfricas.

Eu tinha guardado uns segredos
dos meninos da minha rua.
Mas, não sei como,
descobriram que eu gostava de bonecas.
E eu sofri, com pesadelos!

- Boneca é coisa de menina!

- Florzinha! -  
me chamavam.
E meu pai ficou nervoso. 
Comprou bola oficial de capotão 
e camisa da seleção brasileira pra eu usar dia-e-noite.

Sofri 
- em pesadelos -
até os 14 anos, 
quando começou a nascer minha barba.
Deixei crescer o bigode e me promovi: 
Agora eu era o Apresentador!
Fiz cartola, passei sabonete no cabelo penteado 
e arranjei uma namorada!...

Na verdade, minha prima 
- Sueli! -
Linda, linda, linda! 
Com seus olhos de azeitona, 
seu minúsculo par de seios e seus enormes joelhos!
Sueli foi minha deusa!
No meu Circo ela era um anjo azul, 
uma Marlene Dietrich! ... Uma Marilyn Monroe!

Depois fiz vinte anos e meu pai morreu, 
de enfarto do miocárdio,
dois meses depois que eu entrei para o Circo!

Pintei a cara de branco,
pus meu nariz e meu chapéu
e virei quem sou hoje: 
O Palhaço Florzinha!



5 comentários:

thadeu peronne disse...

Lindo!!!

Cléo Busatto disse...

...lindo!

Hellen Marcondes disse...

Que texto ma-ra-vi-lho-so!!!!!!
Parabéns!
Fiquei emocionada!
H.Marcondes

Sabine disse...

ainda me emociono com esse texto...

Heitor Petrelli disse...

Puta-que-pariu! Que boniteza, Enéias!
Parabéns! Vc é phoda! ...
Heitor