ENÉAS LOUR É ATOR, DRAMATURGO, CENÓGRAFO E DIRETOR TEATRAL

13 de mar. de 2010

O DENÍLSON ERA MIRRADO

O DENÍLSON ERA MIRRADO

Texto de Enéas Lour

(Ela, com a cabeça baixa:)
Ele tava já com só 20 anos quando morreu, 
mais o retrato dele saiu no jornal com aquela faxa preta 
que eles põe na cara dos menor abandonado!
O Denílson era mirrado, sim senhor, era bem franzino, miúdo mesmo!
Puxô o pai dele - o Gavíno - que, mais eu, vivemo junto 
lá na Vila da Estaca 
e, depois dele nascer, o pai dele se sumiu-se : me largou! ... 
O Gavíno era miúdo, bem fraco, igual, e o menino puxô ele.
(Ela olha pros meus olhos para ver se a entendi 
e depois corre o olhar de novo pras suas unhas sujas 
e com uma, a do mínimo, limpa as outras)
Eles - os pulícia - 
não deixaram nem o meu Denílson crescer e já mataram ele!
(Olha pros lados. 
Certifica-se de que não vem ninguém, 
que ninguém a ouve além de mim,
e prossegue com a voz baixa)
O Denílson era carinhoso que nem o pai dele foi comigo.
Eles tinham era implicância com ele! 
Até puseram apelido maldoso nele! ... 
(A voz doída) 
Eles - os pulícia -  chamavam ele de "Tripinha" 
Vê se pode: "Tripinha!"  
O Denílson odiava que eles chamassem ele assim! 
Pois saiu bem assim no jornal, com as letra grande :
"TRIPINHA FOI PRO INFERNO!" 
(A voz mais doída)
Eles - os pulícia - mandaram o meu filho pro inferno!
(Tira um trapo imundo e assoa o nariz, a mulher preta)
- Ele se meteu-se cum droga! 
Mais, não porque quisesse, foi, bem dizer: forçado! 
Com maconha primeiro e depois com essa merda de craque! 
Foi a perdição do meu filho, sabe? ... A perdição! 
Ficasse só na maconha ainda talvez tivesse vivo! 
Maconha eles nem ligam mais! 
Já essa merda do craque! 
Os pulícia mata quem méxe! ... Sem dó! 
(O olhar de novo procura quem mais nos ouça. 
Ninguém. A voz mais forte) 
- Não querem nem saber se em casa
se precisa daquele dinhêro pra vida! 
Matam que nem se mata rato, barata, pulga! 
Matam assim : vupt!
(O olhar de novo pra cima e pra baixo. Pro chão)
- O senhor sabe? 
Ele até estudou!
Feiz trêis anos de escola, o Denílson! ... Trêis anos! 
Depois largou! 
Era repetente e as professora não tinha
mais paciência de ensinar nada pra ele!
...
A mais nova, irmã dele,
estudava que dava em gosto, a Dalvinha!
Passava sempre e fez a escola completa! 
Mas ... no que é que deu? ... Caiu na vida! 
Teve de cair, a coitada! ... Foi ser puta! 
Hoje vive bem! ... Tem até carro! 
Me ajuda em casa cum dinhêro, todo o final de mêis! 
Trabalha feito uma condenada, aquela! ... Nossa!
...
Teve sorte, puxou a minha família: 
bem feita de corpo, a Dalva! 
Eu também já tive corpo, o senhor crê? 
Me vendo hoje é capaz de não crer, mas: tive! 
Nunca fui mulher da noite! ... Nunca! 
Tive os meus homes mais nunca por dinhêro! 
Mais, isso é outro assunto, né? ...
(O meu olhar, agora molhado,
olhar de patrão da empregada mirrada e velha,
pra cima e pra baixo. Pro chão.)
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Um comentário:

Diogo disse...

Ao ler esse texto eu vi alguém falando isso. Enxerguei a figura. Excelente!