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ESPERAnça
Era um sol latejado que fazia
Era um sol latejado que fazia
as sombras de tudo ficarem mais fortes, desenhadas na areia.
Ela cozinhava o dia com as crianças largadas ali no pátio e,
Ela cozinhava o dia com as crianças largadas ali no pátio e,
volta e meia,
o olhar lá na curva do mar aberto.
A testa franzida.
Uma mão cobrindo o sol e a outra apoiada na anca.
Ele tinha ido já há quase oito anos,
Ele tinha ido já há quase oito anos,
mas, ela sabia que,
como o sol, ele voltaria um dia.
Na bacia de sempre,
de todos os dias, chuva ou sol,
ela espremia as cabeças de peixe e camarões para o almoço.
Os olhos duros, esbugalhados, olhavam como ela envelhecera.
Trazia as rugas fundas na testa
Trazia as rugas fundas na testa
e nos cabelos agulhas brancas espetavam aqui e ali
a cabeça da mulher sozinha com suas crias.
Comeram.
Ela e os guris,
Ela e os guris,
como quem mastiga os dias,
sempre os mesmos.
Depois,
os guris correram pros seus mundos
beira d’água salobra nos pés da ponte velha
e ela lavou os pratos na bica.
Jogou os restos num buraco
e cobriu com areia quente.
Três e meia e os olhos dela
foram outra vez para a curva do mar aberto.
Maré enchendo,
Maré enchendo,
hora boa de entrar com a canoa
pela boca da enseada
bordando a proa com rendas de espuma.
Mas, nada. Nem sinal da canoa dele.
Sete e meia a vazante e a noite e,
Sete e meia a vazante e a noite e,
na escuridão, ninguém entra de canoa por ali.
Então: ainda não foi hoje que ele voltou.
No oco da casinha torta
ela pôs a farinha sobre a mesa
e quebrou um ovo.
Um gole dágua.
Fazer o pão.
Amassar cada segundo na tarefa.
As mãos estrangulam a massa
denunciando a raiva
e a batem na mesa como se,
surrando o pão,
ela pudesse se vingar dele.
Dentro dela o amor fermentava ódio.
Ela deixou o pão crescer,
coberto com um pano de prato branco
onde se lia,
em letras bordadas em vermelho vivo:
“Amanhã é um novo dia”
(ilustração de Enéas Lour)
Enéas Lour
Jan/2008
Enéas Lour
Jan/2008
2 comentários:
Lindo texto!
Sou sua fã!
Parabéns.
Beijo na Fátima
Muito bom!
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